1ª Conferência Europeia da Midwifery Unit Network

No passado dia 5 de novembro aconteceu em Barcelona a 1ª Conferência Internacional da MUnet (Midwifery Unit Network), a rede europeia de apoio aos Centros de Nascimento , precedida 2 workshops no dia anterior. Foram 2 dias (na realidade 3 e já explico porquê) de partilha e trabalho extremamente ricos e inspiradores. Diversos novos Centros de Nascimento pela Europa fora, inclusive em países onde estes ainda não existiam! Para quem se está a perguntar o que são Centros de Nascimento (CN), e uma vez que este é um conceito que (ainda!) não existe em Portugal, vou explicar melhor. Estas unidades de saúde pretendem oferecer partos normais, fisiológicos, naturais, com acesso a recursos não farmacológicos, como a água por exemplo.

Os cuidados são prestados por parteiras, que em Portugal seriam os Enfermeiros Especialistas em Enfermagem de Saúde Materna e Obstétrica (EEESMO), segundo o Modelo de Assistência Prestado por EEESMO (Midwifery Model of Care), que preconiza que as mulheres estão no centro dos cuidados, ou seja, as decisões são tomadas em parceria com os profissionais de saúde após ter sido dada informação relevante e diferentes alternativas e valorizando aquilo que a mulher entende como importante. Existe grande probabilidade de serem atendidas por uma parteira conhecida e os cuidados são prestados de forma continua no rácio 1/1 durante o trabalho de parto. Podem ser associadas a um hospital (Alongside Midwifery Units) ou unidades independentes (Freestanding Midwifery Units). Com este modelo, segundo a revisão da Cochrane , os resultados a nível de mortalidade e 2 morbilidade materno-infantil são pelo menos semelhantes quando comparados com modelos convencionais, as taxas de intervenção (forceps, ventosas, episiotomias e outras intervenções) são menores, existe uma maior probabilidade de partos vaginais e os níveis de satisfação das mulheres são maiores. Os resultados para mulheres de baixo risco, cujo parto ocorre num CN, são portanto muito bons a nível de segurança para mães e bebés. No Reino Unido, onde este tipo de unidades estão disponíveis como opção no sistema nacional de saúde, as orientações vão no sentido de recomendar às mulheres de baixo risco que os CN são particularmente adequados para elas. Esta recomendação é baseada em evidência científica disponível e atual, inclusive um estudo realizado com 64.000 mulheres no reino unido onde são contemplados diferentes locais onde o parto acontece (ver os números no final do artigo). Voltando à conferência, e começando pelos workshops que aconteceram no dia anterior. O primeiro foi sob o tema “Como implementar um CN” e o segundo “Como trabalhar num CN”. Eram dirigidos sobretudo às parteiras mas havia diferentes grupos profissionais, como obstetras, pediatras, antropólogas, gestores, representantes de associações profissionais de toda a Europa, entre outros. Estavam presentes vários grupos em diferentes fases de implantação destas unidades de saúde, desde a fase de projeto até à fase de avaliação e ajustamento em CN já em funcionamento. Foi por isso um dia de trabalho muito rico, de partilha de experiências e informações a vários níveis. Cada grupo começou por enumerar uma conquista e uma barreira relativas ao último ano. Foram apresentadas diversas ferramentas de trabalho, inclusive um documento com os Padrões dos CN (Midwifery Unit Standards).  Um documento apoiado pela Associação Europeia de Parteiras e recentemente pela NICE (The Nacional Institute for Health and Care Excellence, do Reino Unido), que será brevemente traduzido também para português.

No final dos workshops participei como user representative de Portugal, numa reunião do conselho consultivo da MUnet. Foram definidas estratégias e “choveram” ideias de como avançar com os diferentes projetos, tanto a nível individual, como a nível institucional e político. Outra novidade é que um grupo de investigação do Europeristat está neste momento a mapear todos os CN pela Europa, que curiosamente é algo que ainda não foi feito. Com tantos novos a surgir calculo que não será tarefa fácil!

No dia da conferência, foram partilhados vários projetos de CN pela Europa e como foi o seu percurso. Na Bulgária 2 parteiras associaram-se a 2 obstetras e avançaram com a implantação de um CN numa unidade obstétrica convencional (um bloco de partos) e num espaço de 4 anos têm cuidados de continuidade, banheira disponível para as mulheres em trabalho de parto e excelentes resultados para mães, bebés e para a equipa. Hoje já são 4 parteiras muito satisfeitas com o seu trabalho. Novos CN em Itália, na Bélgica, na República Checa. Este caso da República Checa é bem interessante por ser o primeiro neste pais e porque partiu da iniciativa de uma parteira, a Natalie, e um gestor, o Martin, que resolveram fundar a Associação Checa de Centros de Nascimento. Conseguiram o apoio político primeiro do ministro da saúde e depois do primeiro ministro. Este percurso não foi fácil mas eles deram a volta às dificuldades com estratégias inteligentes e criativas, como por exemplo com uma campanha de apoio aos Centro de Nascimento difundida por figuras públicas.

Na Catalunha um segundo CN associado a um hospital iniciou a atividade recentemente, estando agora em fase de ajustamento, no sentido de apoiar com maior eficácia as mulheres na gestão da dor. Com isto pretendem baixar as taxas de transferência para realização de epidural, já a melhorar estes resultados. Foi igualmente muito interessante a apresentação da arquiteta Angela Muller, que mostrou como o design arquitetural pode ajudar a prática e as experiências num CN. Esteve presente uma mulher que optou por um CN para o seu parto partilhando a sua experiência. A propósito dos esforços de implementação de CN, disse ela: “precisamos de mulheres conscientes dos seus direitos de dignidade e escolha para lutar esta luta com os profissionais”. A conferência terminou com a presidente da FAME (Federação de Associações de Matronas de Espanha) a moderar o debate com uma obstetra, Coordenadora dos Hospitais IHAN de Espanha e uma pediatra, Presidente do Conselho Superior de Saúde e Género, do Departamento da Saúde, com a pergunta: “Como vamos fazer para implementar os CN e os cuidados liderados por parteiras no nosso país?” Sim, porque para implementar estas unidades com sucesso é fundamental que estejam envolvidos os diversos grupos profissionais. Esta foi uma ideia que ficou bem clara durante as várias apresentações. Tanto haveria ainda por dizer mas isto era suposto ser um resumo! Para terminar não posso deixar de falar numa visita que o grupo português fez pelo CN em Martorell, uma cidade satélite perto de Barcelona. Estivemos reunidos com o presidente do Concelho de Administração e com a Diretora de Enfermagem que se mostraram orgulhosos pelo projeto inovador que implantaram neste hospital público de gestão privada. Referiram que foi uma forma de atrair utentes e motivar os profissionais, sempre com o cuidado de segurança máxima.

Depois fizemos uma visita guiada com a Roser, a matrona responsável pelo CN, que nos mostrou as instalações e respondeu a todas as nossas perguntas durante uma manhã inteira! Como somos muito curiosos ainda voltamos depois do almoço para um conversa informal e muito proveitosa com o diretor de serviço obstetrícia. Valeu mesmo a pena esta visita, pois conseguimos perceber bem como foi todo o percursos, as dificuldades mas também o excelente trabalho desenvolvido e os respetivos excelentes resultados!

Obrigada a todos os profissionais que nos receberam!

O artigo Choosing place of Birth: resource for midwives, da NICE | The National Institute for Health and Care Excellence, é um excelente recurso para ajudar os profissionais de saúde a apoiar as mulheres na sua escolha de local de nascimento, com evidência dos resultados para os diferentes cenários. Apesar de fazer referência à realidade do Reino Unido vale a pena a consulta.

Érica Lopes Ruivo EEESMO e associada efetiva da APDMGP