A pandemia de partos agendados em Portugal ~ Carta à Direção Geral da Saúde

A Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e Parto (APDMGP) está preocupada com o desenrolar desta situação de pandemia de COVID-19 nos cuidados de obstetrícia em Portugal. Têm-nos chegado relatos cada vez mais frequentes de que as grávidas estão a ser sujeitas a induções do trabalho de parto sem indicação clínica, com todos os riscos que podem advir dessa decisão. Ou seja, existem claros indícios de que a cultura de agendamento de partos, que já se verificava em muitos contextos, se agrava agora no âmbito da pandemia de COVID-19.


O mesmo se pode dizer das cesarianas, que estão a ser agendadas de forma rotineira para as grávidas que testam positivo, nomeadamente nos hospitais da Guarda, de Vila Franca de Xira e de Évora.


Sabemos, concretamente, que há inúmeras instituições de saúde em que está a ser imposto às grávidas a realização do teste do coronavírus às 39 semanas de gestação e, caso seja positivo, estas são encaminhadas para outro hospital. No caso de o teste ser negativo, é proposta a indução do parto para o dia seguinte, mesmo sem outras razões médicas que justifiquem a antecipação do parto. Esta prática não é recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e não está isenta de riscos quer para mãe quer para o bebé, não se compreendendo, por isso, que tal procedimento esteja a ser aplicado de forma indiscriminada em tantas instituições de saúde.


Nesse sentido, solicitamos que a Direção-Geral de Saúde possa tomar uma posição sobre este assunto. Consideramos que estas medidas não são protetoras nem das utentes e seus bebés, nem dos profissionais.


Enquanto Associação, defendemos, claro, que a proteção adequada de profissionais de saúde não seja descurada. Tendo em conta que, face à situação atual da pandemia, não é possível saber de antemão quem poderá ser transmissor ativo do coronavírus, a utilização de equipamentos de proteção adequados é a única maneira de garantir a segurança de todos os intervenientes. Contudo, é para nós inaceitável que, nos serviços de obstetrícia, sejam tomadas medidas que, sob o pretexto da proteção dos profissionais, desrespeitem os direitos da mulher na gravidez e no parto, contribuam para o recurso abusivo a intervenções obstétricas e ignorem as recomendações das autoridades de saúde internacionais.


Entendemos ser um dever das autoridades de saúde dotar as mulheres, as famílias e as/os profissionais de informação adequada e contextualizada, reduzindo os quadros de incerteza e
desigualdade, e travar esta outra pandemia de partos agendados, seja por indução ou por cesariana, que atualmente se verifica.
É imprescindível ainda clarificar, de forma aberta e abrangente, que o direito à autodeterminação e ao consentimento informado não foram revogados. A escolha é sempre da mulher, no pleno exercício dos seus direitos.


Na APDMGP, continuaremos a prestar apoio direto às mulheres e famílias na gravidez, parto e pós-parto. No que estiver ao nosso alcance, estamos à disposição para colaborar com as autoridades de saúde.


Com os melhores cumprimentos,
A APDMGP

23-04-2020