Comunicado sobre a operação “Nascer em Segurança no SNS” – Verão 2023

A Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e Parto (APDMGP) está preocupada com as recentes notícias relativas ao fecho de algumas maternidades do país, para efeitos de obras de melhoramento, e também pela conhecida falta de profissionais de saúde durante os meses de Verão.

Compreendendo e concordando que o investimento nas maternidades públicas nacionais é bem-vindo e necessário, perguntamo-nos se o plano para a calendarização do encerramento das maternidades pode vir a funcionar na prática, de forma a perturbar o menos possível as utentes e suas famílias.  Sendo um parto um momento inadiável e imprevisível na vida de uma mulher/pessoa grávida e sua família, questionamo-nos sobre que condições estão a ser criadas para garantir a segurança, a continuidade de cuidados e a excelência que devem acompanhar todas as experiências de nascimento.

A APDMGP não compreende o porquê do não desfasamento das remodelações, nem a necessidade de se iniciarem as obras durante os meses de verão, justamente no período em que as instituições mais se ressentem da  falta de profissionais de saúde. Questionamos de que forma é que estas obras vão dotar as instituições de meios para se cumprirem determinados direitos que continuam por ser garantidos por alegada falta de condições, nomeadamente a falta de espaço, sendo o argumento frequentemente invocado para se restringirem direitos fundamentais, nomeadamente a presença de acompanhantes e pernoite dos mesmos. Gostávamos de ter a garantia de que estas remodelações estão projetadas terão em conta a salvaguarda destes direitos.

Quanto à articulação com o sector privado, congratulamos a direção executiva do Serviço Nacional de Saúde (SNS) relativamente à busca de soluções. No entanto, apesar de considerarmos que, nesta situação em específico, o sector privado pode fazer parte da solução, obviando o risco de desassistência nos partos, questionamo-nos sobre a decisão de continuar a transferir recursos públicos para grupos privados, não investindo na captação de recursos e de profissionais no SNS, uma tendência que pode vir a tornar-se um hábito. Para além disso, queremos alertar para a persistência de práticas e de indicadores relativos aos nascimentos nas instituições privadas —  nomeadamente as taxas mais elevadas de cesarianas — que merecem a nossa preocupação. Estaremos, com esta medida,  a empurrar as mulheres para partos por cesariana e outras intervenções desnecessárias? 

Temos alertado para o efeito lotaria a que as mulheres estão sujeitas no que respeita à assistência nos seus partos, e para o potencial ainda mais desestabilizador que esta situação acarreta. Receamos que as últimas notícias sobre o fecho das maternidades venham agravar o estado de ansiedade e a insegurança das mulheres relativamente aos seus processos reprodutivos.

Preocupam-nos, em especial, as pessoas e famílias em situação de vulnerabilidade socioeconómica e aquelas que são mais afetadas pelas assimetrias regionais, as quais, vivendo em zonas mais afastadas dos grandes centros urbanos, podem ver o seu acesso aos cuidados de saúde gravemente comprometido com os fecho das maternidades para obras de melhoria. Que  solução será oferecida a estas mulheres e suas famílias?

Sendo a proximidade das grávidas à urgência médica considerada, pela evidência, uma medida base de segurança para parturientes e bebés, será também preciso ter em conta que este fecho poderá traduzir-se na sobrecarga dos locais que persistirem abertos, privando as mulheres e pessoas grávidas de serviços e maternidades essenciais ou agravando consideravelmente essas distâncias, em particular no interior do país, como de resto nos diz a experiência de verões passados..

Também relativamente ao sector primário, não tendo havido um reforço dos médicos de família, a APDMGP está crescentemente preocupada com as repercussões que estas mudanças poderão ter em toda a vigilância da gravidez.

Estes fatores somados traduzem-se numa situação de perigo para as mulheres, que podem ficar afetadas, por um lado, pela falta de assistência nos seus processos reprodutivos, por outro inadvertidamente ficarem sujeitas à prestação de cuidados prestados por privados, conhecidamente sobre-intervencionistas, com todos os riscos que isto acarreta.

Neste sentido, vem a Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e Parto alertar para a potencial violação de direitos das utentes advinda dos factos trazidos a público, nomeadamente do artº 64 da Constituição da República Portuguesa, que refere no nº 3 b) que “Para assegurar o direito à protecção da saúde, incumbe prioritariamente ao Estado garantir uma racional e eficiente cobertura de todo o país em recursos humanos e unidades de saúde;” bem como clamar por um planeamento/concretização mais eficiente dos planos de obras previstos pelo Ministério. É crucial que as obras de remodelação dos serviços, sem dúvida necessárias e desejáveis, não ponham em causa a segurança das mães e dos bebés, nem os seus direitos fundamentais previstos na lei.