Desmarcações de consultas e exames de acompanhamento, separação mãe-bebé e amamentação impedida ~ Nova carta à Direção Geral da Saúde

A Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e Parto (APDMGP) mantém a sua intervenção junto das inúmeras mulheres grávidas e famílias que nos contactam nestes tempos de grande incerteza. 

demos conta à Direção Geral da Saúde (DGS) da nossa posição acerca da forma desigual com que algumas das medidas foram implementadas em muitas instituições de saúde, desconsiderando os direitos das mulheres. No entanto, retomámos no dia 22 de maio o contacto com a DGS porque nos têm chegado relatos particularmente preocupantes, nomeadamente, de desmarcação de consultas de vigilância pré-natal e de exames de rotina, incluindo ecografias obstétricas de primeiro e segundo trimestre. Chegam-nos também pedidos de ajuda de mulheres (sem sintomas de infeção) que estão a ser aconselhadas e muitas vezes forçadas a não tocar nos seus bebés recém-nascidos ou amamentar, enquanto não for conhecido o resultado do rastreio à Covid-19 efetuado aquando da admissão na instituição hospitalar.

Apelámos a que, por parte da DGS, seja tomada uma posição mais clara acerca das medidas a implementar nas instituições de saúde para grávidas e parturientes não-COVID-19, bem como para as COVID-19, ambas ancoradas nas orientações da Organização Mundial da Saúde. 

Encontram abaixo o texto completo da carta endereçada pela APDMGP à DGS:

Exmas./os Senhoras/es,

a Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e Parto (APDMGP) está preocupada com o desenrolar da situação de pandemia de Covid-19 nos cuidados de obstetrícia em Portugal. Têm-nos chegado relatos de desmarcação de consultas de vigilância pré-natal e de exames de rotina, incluindo ecografias obstétricas de primeiro e segundo trimestre. Soubemos também que muitas mães estão a ser aconselhadas e muitas vezes forçadas a não tocar nos seus bebés recém-nascidos ou amamentar, enquanto não for conhecido o resultado do rastreio à Covid-19 efetuado aquando da admissão na instituição hospitalar.

Perante a necessidade de canalização dos recursos humanos da área da saúde na luta contra a pandemia e de redução ao mínimo da afluência dos utentes a instituições de saúde, várias consultas, exames e cirurgias de diversas especialidades, consideradas não urgentes, têm vindo a ser desmarcadas. No caso da vigilância pré-natal, entendeu-se que prescindir da ecografia do terceiro trimestre não traria implicações de maior, em casos de gravidez de baixo risco, sendo as ecografias do primeiro e segundo trimestre prioritárias. No entanto, vários relatos nos têm chegado segundo os quais consultas e ecografias de primeiro e segundo trimestre também têm sido canceladas. A APDMG vê esta situação com consternação, pois esses exames podem revestir-se de grande importância numa boa vigilância da gravidez.

Chegaram-nos igualmente relatos de aconselhamento e imposição da separação mãebebé em instituições de saúde, nos casos em que o bebé nasce antes de ser conhecido o resultado do rastreio à Covid-19 efetuado aquando do internamento por trabalho de parto. Nalguns hospitais, o resultado pode demorar até 24h, e as mulheres estão a ser aconselhadas a permanecerem separadas dos bebés e, em alguns casos, impedidas de fazer pele a pele à nascença do bebé e amamentar, mesmo que desejem fazê-lo. Esta prática vai contra as recomendações da OMS, que sublinham as vantagens do contacto precoce mãe-bebé e da amamentação, mesmo em caso da mãe testar positivo para Covid19, e constituem uma violação dos direitos das mulheres.

Perante o exposto, solicitamos uma tomada de posição por parte da Direção-Geral de Saúde. Consideramos inaceitável que sejam tomadas medidas nos serviços de obstetrícia que ponham em risco a segurança de uma boa vigilância na gravidez, desrespeitem os direitos da mulher na gravidez, parto e puerpério, contribuam para a separação injustificada e contraproducente de mães e bebés e que possam comprometer o aleitamento materno nos primeiros meses de vida, ignorando as recomendações das autoridades de saúde internacionais.

É imprescindível ainda clarificar, de forma aberta e abrangente, que o direito à autodeterminação e ao consentimento informado não foram revogados. A escolha é sempre da mulher, no pleno exercício dos seus direitos.

Na APDMGP, continuaremos a prestar apoio direto às mulheres e famílias na gravidez, parto e pós-parto. No que estiver ao nosso alcance, estamos à disposição para colaborar com as autoridades de saúde.

Com os melhores cumprimentos,
A APDMGP
22-05-2020