Mortalidade materna atinge recorde dos últimos 38 anos – Posição da APDMGP
Já em 2019, a Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e Parto (APDMGP) alertava as autoridades de saúde e o poder político para a preocupante subida da taxa de mortalidade materna.
Infelizmente, esta tendência progrediu em vez de regredir, tendo-se agora retrocedido para taxas de mortalidade materna idênticas às de há 38 anos atrás.
Aplaudimos a constituição pela DGS de uma Comissão para o Acompanhamento da Mortalidade Materna.
Secundamos o questionamento de Diogo Ayres de Campos, um dos membros desta Comissão, quanto à degradação da qualidade da assistência obstétrica em Portugal.
Questionamos, no entanto, a hipótese prontamente avançada de este aumento da taxa da mortalidade materna se dever ao aumento da idade média das gestantes.
O aumento da idade média das gestantes é uma tendência europeia, e não apenas portuguesa, não se tendo nos outros países europeus verificado, como em Portugal, este agravamento da taxa de mortalidade materna. (1)
Ainda assim, consideramos oportuno chamar a atenção para as razões sociais e económicas subjacentes ao adiamento dos planos de maternidade de muitas mulheres, nomeadamente a precariedade laboral, os baixos salários, assim como a persistente e iníqua discriminação das mulheres no mercado de trabalho, especialmente as gestantes e mães.
Parece-nos igualmente importante salientar que, nos serviços de saúde materna em Portugal, raros são os hospitais que têm procedimentos e práticas rotineiramente alinhados com as recomendações da Organização Mundial de Saúde, que vão no sentido da valorização de uma experiência positiva de parto para as mulheres, da fisiologia do parto e do diálogo estreito com os profissionais de saúde. Continuamos, como em 2020, a limitar a presença de acompanhantes, induzir e marcar partos para acomodar testes de covid, sem necessidade clínica real. Estes números gritam o que já sabemos: todas as intervenções hospitalares trazem riscos e a evidência demonstra que o que torna o parto mais seguro para mães e bebés é a inclusão das mulheres no centro do seu parto e a promoção da fisiologia do nascimento.
Não podemos ainda deixar de mencionar o desinvestimento sistemático no Serviço Nacional de Saúde, que se traduz na falta de profissionais, o que gera uma sobrecarga desumana sobre os serviços e pessoal clínico.
A nossa tomada de posição
Exigimos:
– Transparência quanto aos dados estatísticos da assistência obstétrica em Portugal, estabelecida como obrigatoriedade pela Portaria n.º 310/2016 publicada no Diário da República n.º 236/2016, Série I de 2016-12-12 e até agora por efetivar (passados quase 6 anos)
A divulgação desses dados permitiria aferir de forma muito mais exata a qualidade da assistência obstétrica em Portugal, indissociável não só do número de cesarianas realizadas (de resto, igualmente em preocupante ascensão), mas também de outros indicadores, entre os quais destacamos o número de partos em que ocorreu indução do trabalho de parto.
– O cumprimento universal e sem entraves do direito ao acompanhante durante o trabalho de parto e parto
– Sanções efetivas para os/as profissionais protagonistas de más práticas
– O cumprimento efetivo do papel fiscalizador da ERS às unidades de assistência obstétrica
– A realização e conclusão da investigação sobre as causas de cada ocorrência de morte materna, e divulgação pública dos resultados apurados.
Recomendamos:
– Implementação de um sistema universal de auscultação da satisfação das utentes em todas as maternidades, de acordo com a resolução da Assembleia da República n.º 175/2017 “16 – Criar um questionário para avaliar a satisfação das mulheres e dos profissionais de saúde relativamente aos serviços de saúde materna e obstetrícia.”
– Revisão dos currículos formativos dos/as profissionais que assistem ao nascimento, assegurando a integração das mais recentes evidências científicas, assim como das recomendações da OMS, bem como de informação sobre os direitos da mulher na gravidez e parto
– Formação contínua nas maternidades em práticas baseadas na evidência
– Reconhecimento do papel benéfico da doula e sua integração nos serviços de assistência obstétrica em Portugal
– Criação de Unidades de Cuidados na Maternidade em Portugal, direcionadas para a assistência ao parto de baixo risco por Enfermeiras/os Especialistas de Saúde Materna e Obstétrica, com vista à realização de partos fisiológicos
(1) “The proportion of women bearing children later in life varies substantially but in over 60% of countries, at least one in every five births was to a women aged 35 years or older, and the percentage of births to women in this age group increased substantially in almost every country. ” European Perinatal Health Report 2015, pág. 43
Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e Parto
24 de maio de 2022