“O hospital tem de decidir em que página estará no futuro.”
Serve este email – como médica, como cidadã e como mãe de dois filhos, o mais novo um bebé “pandémico” que teve o luxo de poder nascer num hospital que respeitou a legislação e as melhores práticas médicas com o apoio e acompanhamento do pai – para questionar o que está a ser feito para garantir à população servida todas as condições para ter filhos em segurança, no sentido multidimensional do termo.
A narrativa do medo e dos números pode servir para manchetes de telejornais mas não para profissionais de saúde, que devem trabalhar com informação científica e bom senso – Sabemos como o vírus se transmite e sabemos que temos de estar equipados – e pronto, fim da história – não há nada, absolutamente nada, que justifique esta amputação grave e embaraçosa dos direitos das famílias. Andamos nisto há meses, até a questão da novidade do vírus já cheira a mofo.
É gritante num país que tanto se orgulha dos seus dados obstétricos e neonatais no SNS termos criado está profunda discrepância regional e privado-público. Está bem quem vive no norte ou em Lisboa, quem vai para um serviço privado, quem tem um seguro, quem não se importa de induzir o parto sem razões clínicas para ter o teste SARS-CoV-2 fresquinho ou quem pode andar a fazer testes de 48 em 48h, salvem-se as nasofaringes. É isto que queremos construir? Como se sente um Hospital com a responsabilidade por este retrocesso incrível na qualidade da medicina? É preciso a DGS e a lei explicarem a quem trabalha na área a importância de recuperar o acompanhamento nos partos? Não deviam ser os próprios serviços a querer garantir a qualidade do seu trabalho, do seu dia a dia? Ironicamente os surtos têm começado nos profissionais, como em Évora. Isto é absurdo. O hospital tem de decidir em que página estará no futuro. De que lado da história se querem orgulhar de fazer parte? Daquela que se falará com vergonha de como se agiu, sem justificação para isso que não o conformismo, como nas mães e bebés separados e exibidos em horário nobre na TV, quando já tínhamos excelentes exemplos internacionais?
Os profissionais sempre trabalharam com risco de infecção, não há nada de original nisto, equipamento correcto equivale a profissionais e utentes protegidos, ponto, que é o que todos precisamos.
Esta questão é exclusivamente portuguesa, devia ser embaraçoso – Já no início da pandemia até as mães com positividade para o vírus em Espanha continuavam a ter o mínimo de dignidade nos partos – partilho esta peça jornalística incrível que já há meses nos fazia parecer provincianos nas atitudes médico-paternalistas de ignorância de mecanismos de infecção.
Así fue el primer parto gemelar de una ‘madre covid’ en España
“In any moment of decision, the best thing you can do is the right thing, the next best thing is the wrong thing, and the worst thing you can do is nothing.”Theodore Roosevelt
Ana Luísa Pereira