Pedido de clarificação aos serviços de obstetrícia dos hospitais portugueses
No passado dia 23 de maio, a Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e Parto (APDMGP), dirigiu uma carta a todos os serviços de obstetrícia dos hospitais portuguesas, solicitando clarificação quando às suas políticas relativamente a:
- Direito da parturiente a acompanhante
- Testagem de covid-19
- Induções e cesarianas
- Separação mãe-bebé
- Amamentação
É fulcral que os protocolos de cada hospital sejam do conhecimento público e que a grávida e sua família a eles tenham fácil e atempadamente acesso, de modo a poderem exercer o direito à escolha do lugar de nascimento do seu bebé de forma informada e consciente.
Conheçam, abaixo, o texto completo da carta que dirigimos aos serviços de obstetrícia. À medida que formos recebendo respostas, iremos tornando públicas as informações obtidas. Fiquem atentas/os.
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Exmos/as. Senhores/as,
Com o final do estado de emergência e abertura gradual do país a diversas outras atividades, a curva da pandemia no nosso país não apresentou subidas preocupantes. No entanto, diversas maternidades mantêm a proibição de acompanhante às mulheres durante o trabalho de parto e parto, assim como de visitas durante o puerpério.
A Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e Parto (APDMGP) continua a receber pedidos de ajuda no que respeita a uma das situações que maior ansiedade e indignação traz às mulheres/casais: a suspensão do direito ao acompanhante durante o parto e puerpério nos nossos hospitais – medida que infelizmente ainda acontece em muitas instituições de saúde, quer públicas, quer privadas. Num evento tão significativo e ímpar como é o nascimento de um filho, é imprescindível considerar o impacto destas medidas nas experiências de parto e as consequências na saúde física e mental a curto, médio e longo prazo para a mulher e o/a bebé.
Permanecemos vigilantes e preocupadas/os com o respeito pelos direitos das mulheres, bebés e famílias, nestes tempos conturbados para todas e todos. Para a APDMGP, é importante dar voz às inquietações das famílias e continuar a trabalhar junto delas de forma a fazer-lhes chegar alguma paz, tranquilidade, informação de qualidade e apoio, reconhecendo os constrangimentos crescentes que as/os profissionais de saúde enfrentam no exercício da sua prática profissional.
No dia 13 de março, a Organização Mundial da Saúde (OMS) disponibilizou orientações para profissionais de saúde, incluindo cuidados na gravidez, parto e pós-parto para grávidas com COVID19, no seu “Clinical management of severe acute respiratory infection (SARI) when COVID-19 disease is suspected”, e posteriormente, no dia 18 de março de 2020, a OMS disponibilizou recomendações específicas sobre COVID-19 e a gravidez e parto para a população em geral, onde se esclarece que a mulher deve poder optar por ter ou não um acompanhante da sua escolha presente durante o parto, mesmo tendo um diagnóstico de COVID-19, e que os profissionais deverão recorrer às estratégias necessárias para reduzir o risco de transmissão do vírus para si e para as/os outras/os, incluindo a higienização das mãos e a utilização de equipamento de proteção individual (EPI) adequado.
De facto, o apoio emocional e físico constante e ininterrupto durante o trabalho de parto e o parto é uma das recomendações da OMS, suportada pela evidência científica: a presença de uma figura de referência que a mulher conhece e em quem confia é essencial para que esta se sinta segura e para que os processos biomecânicos e fisiológicos do trabalho de parto tenham lugar. Os direitos da mulher em Portugal são também claros neste sentido. O acompanhamento no momento do parto encontrase regulado na Lei 15/2014, de 21 de março, e apenas pode ser restringido em situações que não se verificam atualmente. Acresce que as recomendações da OMS são de verificação legal obrigatória nos termos do artigo 15.º F n.º 2 e n.º 6 da Lei 15/2014, de 21 de março. Por outro lado, a APDMGP é composta por pessoas de diversos quadrantes sociais e disciplinares, pelo que temos contado com o feedback de vários profissionais de saúde que estão a trabalhar no terreno e conhecem de perto as dificuldades das equipas de vários hospitais portugueses. Para nós, é urgente que as condições de segurança e equipamento adequado sejam assegurados às/aos profissionais que estão em primeira linha e que são essenciais para apoiar as mulheres e as/os suas/seus bebés.
Neste sentido, gostaríamos de saber qual a atual política de acompanhamento no parto e visitas no puerpério adotada na vossa instituição. No caso da atual política não seguir ainda as recomendações da OMS, gostaríamos de saber o que está a ser feito para que esta mude e qual a previsão de quando poderá ser alterada. Incitamos a vossa instituição a reformular e clarificar a política de acompanhante durante o parto e quaisquer orientações que não sejam baseadas em evidência científica robusta, que apresentem divergências relativamente às recomendações da OMS, e que não tenham em consideração as repercussões negativas decorrentes da sua implementação no estabelecimento do vínculo entre a mãe e o seu recém-nascido, na amamentação e na saúde e bem-estar emocional de ambos, como muita literatura científica resultante de pesquisas internacionais tem vindo a confirmar.
Acrescentamos que seria importante clarificar também todos os procedimentos e políticas relativamente ao teste à COVID-19 (e tempos para receção dos resultados), assim como políticas de induções e cesarianas sem motivos clínicos explícitos, que foram também desaconselhadas quando motivadas pelo agendamento de testes COVID-19.
Para finalizar, outra grande preocupação diz respeito à separação mãe/bebé, após o parto, assim como a políticas relativas ao aleitamento materno, e, como tal, relembramos as recomendações de 19 de maio da DGS, onde está prevista a possibilidade de alojamento conjunto da mãe e bebé, inclusive em situações de mulheres positivas que se encontrem assintomáticas ou com doença ligeira. A OMS toma uma posição muito clara no que toca à promoção da amamentação e ao contacto pele a pele, e, nas mais recentes orientações da DGS, esta recomendação é tida em conta, devendo a decisão/escolha da mulher ser valorizada, inclusive em casos de COVID-19 positivo por parte da mãe.
É importante que todos os protocolos vigentes sejam conhecidos, de modo a que as mulheres possam tomar decisões, exercendo o seu direito de escolha do local onde vão ter os seus bebés.
É imprescindível clarificar que o direito à autodeterminação e ao consentimento informado não foi revogado. A escolha é sempre da mulher, no pleno exercício dos seus direitos.
Aguardamos com expectativa uma resposta vossa.
Atentamente,
A APDMGP
23-05-2020