Ela chora. Ultimamente tem chorado muito. Mas o que se passa? Grávida de 38 semanas, pela segunda vez, de um bebé saudável, tudo a correr bem. Chora porque não tem “sinais”. Sinais de parto. Não há nada que indique que as coisas estão para começar – nada visível, palpável, relatável, entenda-se.
O fantasma do seu primeiro parto ainda paira, e traumatiza. Tudo começou com uma indução antes das 40 semanas, “porque vem aí um fim-de-semana prolongado, depois se entra em trabalho de parto pode não haver gente para a atender, vai ser muito complicado.” Esta afirmação é no mínimo ridícula, perversa por sugerir que pode ficar sem apoio, e deliberadamente feita para a decisão ser tomada de forma bastante célere. Mas o que sabe um casal de primeira viagem, que fica preocupado com a possibilidade de “não ter ninguém”? Concordaram com a indução. O parto não correu mal. Mas seguiu-se a catadupa de intervenções. Indução / Epidural/ Episiotomia/ Ventosa. Ela sente como se lhe tivessem roubado o seu parto, tem pena e sabe que desta vez quer fazer diferente, está mais informada sobre os riscos de uma indução, sabe que se for induzida as hipóteses do parto acabar numa cesariana aumentam exponencialmente e que as contracções de uma indução, por serem artificiais, são mais fortes, longas e seguidas, dando menos possibilidade ao bebé de recuperar entre elas e este pode mesmo entrar em sofrimento por restrição de oxigénio e sangue. Ela também terá poucas chances de não pedir uma epidural, pela intensidade das contracções e porque este parto “artificial” não tem o “cocktail de hormonas” naturais como a ocitocina (a hormona do Amor, que nos faz sentir calmas, empáticas e em ligação); as beta-endorfinas (a hormona que é um alívio natural da dor); a prolactina (a hormona responsável pela produção do leite materno que também actua como um relaxante natural, promove a ligação mãe/bebé e acende nesta uma vigilância e atenção para com a sua “cria”). Estas hormonas, trabalhando em conjunto, ajudá-la-ão a lidar com o evoluir do trabalho de parto, dando-lhe até prazer no processo. Desta vez quer confiar no seu corpo, e confiar que o seu bebé vai escolher a altura certa para nascer.
As semanas passam e, na consulta das 40 semanas, lá vem a temida palavra “mágica” começada pela letra “I”. Não é abordada como uma opção, não é uma pergunta. É uma declaração, o óbvio próximo passo. “Vamos então marcar aqui a indução para o dia X.” E quando ela diz que não, que prefere esperar, pois acabaram de ver que está tudo bem com o bebé, é chamada de irresponsável: “Mas vocês querem um bebé morto? É isso que querem? EU não quero um bebé morto! Porque é que não-há de induzir, ele já não está aí dentro a fazer nada!”
Claro que isto, apesar de real, é um caso extremo. Claro que não se tratam assim nem se diz isto às grávidas todas mas, variações à parte, a mensagem é esta e é clara: esperar mais não é opção. Que sinal e mensagem passamos às mulheres, aos casais, com esta impaciência? Esta impaciência implica que há algo melhor que virá depois, e que sabemos melhor do que o corpo delas. Quando na verdade podemos estar a criar mais problemas com estas interferências. Quando agimos com impaciência, estamos a comunicar àquela mãe que o seu corpo é desadequado, partido, atrasado, que não funciona, que ela não é capaz, que não é boa o suficiente e que de alguma forma não está à altura. Não é uma boa base para uma mulher que está prestes a tornar-se mãe, este desempoderamento e perda de controle. As decisões que uma mulher, que um casal toma durante a gravidez e o parto são as primeiras que estão a fazer como pais daquele bebé. Queremos encorajá-los ou deitá-los abaixo, assustando-os para que escolham aquilo que mais convém a este ou aquele serviço?
Há muito medo à volta dos números, das datas. A data prevista do parto. Não nos esqueçamos que é precisamente isso: uma previsão. Não uma ordem de despejo, ou um prazo de validade. Pressa de iniciar o parto. Pressa de se rebentar a bolsa de água. Pressa de ver como está a evoluir a dilatação. Pressa de puxar o bebé cá para fora. De certa forma é a nossa Cultura, esta cultura do imediatismo e da rapidez, mas certas coisas não devem ser apressadas.
Claro que uma coisa bem diferente é uma gravidez com um quadro clínico com complicações, um bebé que verdadeiramente estará melhor cá fora, pois já está a dar sinais de precisar de ajuda. Isso não é impaciência, é agir com rapidez e profissionalismo. Falo de bebés e mães saudáveis.
Esperar, deixar amadurecer, desacelerar, é algo que a nossa Cultura actual tem dificuldade em fazer. Induzir, marcar, provocar o parto, afinal que diferença faz? Toda. Será mesmo que o bebé já não está a fazer nada na sua 38ª / 39ª/ 40ª/ 41ª semana no útero? Nas últimas semanas de gravidez, os anticorpos da mãe passam para o bebé. O bebé ganha peso e força, armazena ferro e desenvolve melhor o reflexo de sucção e deglutição. Os seus pulmões amadurecem, e o bebé armazena gordura que o ajudará a manter a sua temperatura corporal durante as primeiras semanas de vida. O amadurecer do bebé e envelhecimento da placenta enchem o sistema da mãe de prostaglandinas que amolecem o colo do útero para este encurtar e dilatar mais facilmente. O aumento do estrogénio e a diminuição de progesterona aumentam a sensibilidade do útero à ocitocina. O bebé desce mais fundo na pélvis da mãe em preparação para o nascimento. Esta espera final não é para nada. Quando o bebé, o útero, a placenta e as hormonas estiverem prontos, o trabalho de parto começará. Toda esta preparação leva a um parto mais prazeroso, possivelmente mais descomplicado e sem sobressaltos, e a um bebé de termo, que está fisiologicamente estável e pronto a mamar desde o início. Vale a pena esperar. E todas as mulheres – e bebés – têm esse direito.
~ Sara do Vale, doula e sócia fundadora da APDMGP
~ Ilustração de Itaiana Battoni
Fantástico texto. Concordo 100%
Parabéns.
Fico triste de saber q está epidemia de pressa para que nasçam os bebês e de terror às grávidas esteja ocorrendo em outras partes do mundo.
Aqui no Brasil já sofremos muito disso. E o resultado vemos em insucesso na saúde das mães e dos bebês. E quase nem se fala em indução. Parte-se logo para a cirurgia. Supostamente, indolor.
Eu tive pressa, tinha medo de todos os maus tratos q conheci pelos relatos das mulheres da minha família. A médica tbm não me informou o bastante sobre a necessidade do meu bebê ficar mais umas semanas quietinho na minha barriga.
Felizmente ele é um rapazinho muito saudável, mas sei q corremos riscos.
Não deixem q aí se torne como aqui.
O meu parto foi induzido às 41 semanas e 5 dias porque não aguentavamos mais a pressão e a partir daí só com termo de rsponsabilidade. Não houve injeção de ocitocina artificial nem epidural nem monitorização continua e pude ir ao chuveiro e escolher e a minha posição para a expulsão. Foi necessária uma ventosa, depois de muito esforço. Hoje fazia tudo igual. Isto aconteceu no Centro Hospitalar da Póvoa do Varzim, onde o respeito pela família é enorme 💪
Se não foi ocitocina, como fizeram?
Li o texto e fiquei de boca aberta. Vim há quase 13 anos novamente para a Alemanha e há dois anos tive o meu menino. Ainda bem que o tive cá. Apesar de ser um país de tanta pontualidade, os médicos aqui queriam que ele estivesse o tempo que fosse preciso. As 38 semanas teve que ser uma cesariana de emergência, pois não estávamos bem, mas mesmo nesse momento de tanta aflição, eles tiveram tempo para me dar a mão, sorrir, dizer que tudo vai correr bem. Foi um momento doloroso (pois tiverem que espetar a epidural 6 vezes), mas tão bonito pois estive presente no momento mais feliz da minha vida.
O que quero dizer é que, tenho pena que em Portugal os hospitais não tenham “tempo” para os pacientes/mulher que vão dar a luz. Somos um povo tão bom e nesses momentos falhamos.
Isto aconteceu-me foram-me ditas coisas que julguei impensáveis e após intensas semanas de stress e confronto com vários técnicos de saúde lá acabei com o meu plano de parto desrespeitado na totalidade, gozada e humilhada pela maior parte do corpo clínico e com uma cesariana que não desejei de todo. Não entrei de depressão nem sei como. Vale-me ter tido um filho saudável e que por minha grande insistência ainda mama pq até nisso queriam desrespeitar as minhas decisões. Quem me dera poder mudar o que passamos nos hospitais! Só pq temos opiniões diferentes e não aceitamos tudo o que nos querem fazer de ânimo leve, parecem querer vingar-se de nós como se foasemos apenas meninas teimosas e inconscientes.
O meu parto foi induzido, mas porque a bolsa rebentou às 37+3 e o meu corpo não reagiu. Não tinha dilatação nem contraçoes,nada. Foi doloroso,muito, foi uma corrida contra o tempo por causa das infeções que se podem instlar com a bolsa rota. No entanto tudo correu bem mas não percebo porque querem agendar por livre vontade algo assim. No privado então, sofri sempre a pressão de que tinhamos de agendar o parto (???) e eu nunca o fiz, e não foi preciso , ela decidiu que queria vir cedo e foi-lhe feita a vontade. Vamos ver como será desta 2° vez
Obrigada Sara 🙏