Os últimos metros de uma maratona que não sabemos onde termina

Chegas ao final da gravidez e a ansiedade de conhecer o teu bebé aumenta. Não só a tua vontade mas também a do mundo inteiro, que gosta de mandar bitaites sobre o tempo que está a demorar a começar o teu trabalho de parto.

A barriga já pesa, as noites são longas e desconfortáveis, se calhar já tens alturas do dia (ou provavelmente da noite) com bastantes contrações e o não saber quando é a hora, dá-te cabo dos nervos…

A recomendação habitual nos hospitais portugueses é a indução do parto a partir das 41 semanas e sei que há mesmo quem pressione para induzir antes. Porque o bebé é grande, porque sim, porque não, porque alguém vai de férias, porque não queremos que o bebé nasça no dia de Natal, porque o teu médico tem mesmo de lá estar, porque o colo do útero está tão bom que vai ser mesmo rápido, porque.

Não é um assunto consensual e não pretendo discutir aqui os riscos e benefícios de induzir ou não induzir às 41 semanas por rotina. Mas o mais importante é saberes que “ninguém pode fazer-te nada sem o teu consentimento”. Tens o direito a ser informada, saber as tuas opções (existe SEMPRE mais do que uma, nem que seja fazer ou não fazer qualquer coisa), os seus riscos e benefícios, e fazer a tua escolha. E a tua escolha tem de ser respeitada.

Sei como é frustrante durante as consultas de vigilância da gravidez começar a ouvir às 38 semanas: “se o bebé não nascer antes, vamos marcar a indução para o dia X”.  Consulta após consulta, surge esse prazo limite. E a ansiedade de aproximar-se o prazo limite é tudo o que consegues pensar.

Mas… o trabalho de parto tem mais facilidade em desenrolar-se num ambiente de ocitocina, com calma, amor e confiança. A adrenalina só te prejudica. Eu sei que a culpa não é tua, eu sei que não dá para carregar num botão e fazer desaparecer essa ansiedade e dúvida. Mas pára um pouco, respira fundo. Está tudo bem contigo e com o teu bebé? Tens tempo para refletir.

Caso recuses uma indução do parto, não aceites que te abandonem, não deixes o vosso destino nas mãos da sorte. Tens direito a ser acompanhada devidamente até ao teu bebé nascer. Não te podem recusar o acompanhamento e existem formas de avaliar o teu bem estar e o do teu bebé. É essencial continuares atenta aos seus movimentos. É essencial seres acompanhada por profissionais de saúde que consigam reconhecer algo fora do normal e informar-te para poderes adequar as tuas escolhas à avaliação do vosso bem-estar.

Mas é claro que o facto de às 41 semanas teres optado por não induzir não significa que às 41 semanas e 4 dias não possas mudar de ideias. Não tens e justificar essa tua mudança de opinião. Tens o direito de ser respeitada.

Por outro lado, se decidiste que o teu bebé vai nascer no tempo dele não havendo sinais de alarme, porquê a pressa? Porquê procurar truques “infalíveis” para convencer o bebé a iniciar o trabalho de parto? Não era suposto ser quando ele quisesse e estivesse preparado?

Os medicamentos usados para induzir o parto são moléculas que provocam coisas. As mezinhas “naturais” usadas para ajudar o bebé são moléculas que provocam coisas. Qual será a diferença entre elas?! O objetivo parece-me o mesmo.  

Quando falamos de medicamentos, referimo-nos a substâncias que passaram por um processo de investigação para perceber os seus efeitos, os riscos, a melhor dose, etc. Têm efeitos secundários e riscos? Sim… como tudo na vida. E por isso, colocamos o que sabemos sobre eles numa balança e vemos se os benefícios compensam os riscos.

Aquele chá que bebes religiosamente todos os dias em quantidades absurdas para ser tudo mais rápido, ninguém sabe o bem ou o mal que te vai fazer. Podes dizer que é natural. Podes dizer que é só um chá. Mas se não querias induzir o parto, o que é que esse chá te está a fazer? Não é necessário nenhum chá, nem fazer maratonas diárias a caminhar ou de “namoro”, nem nada externo, para o teu bebé saber que tem de nascer. Não é obrigatório fazeres nada de diferente ou com a intenção de incentivar o teu bebé a nascer. A não ser que o queiras.

Então… pensa o que é melhor para ti, para o teu bebé… informa-te dos riscos e benefícios de cada escolha, aceita a tua opção e fica em paz com ela. Quer seja induzir o parto (de uma forma ou de outra), quer seja esperar atentamente.

Sê feliz e saudável. É isso que precisas nos últimos momentos de gravidez. Porque mesmo que não saibas quantos metros faltam, vais terminar a maratona.

Mariana Torres

Associada da APDMGP

Médica Ginecologista/Obstetra

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