Pela Abolição Imediata da Linha SNS Grávida

Assunto: Pedido de Abolição Imediata da Linha SNS Grávida – Inconstitucionalidade e Violação de Direitos Fundamentais com Consequências Reais e Evitáveis

Exmos. Senhores Membros do Governo,
Exmas. Senhoras e Senhores Deputados,
Exmas. Entidades com competência em matéria de saúde, igualdade e direitos fundamentais,

A Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e Parto vem, por este meio, expor e requerer a V. Exas. a tomada de medidas urgentes face a uma situação gravíssima que resulta da aplicação da Portaria n.º 325/2024/1, de 13 de dezembro, que criou a linha SNS Grávida, com os seguintes fundamentos:

  1. No passado dia 13 de dezembro de 2024, entrou em vigor a Portaria acima mencionada, que impõe às grávidas a obrigação de contactarem previamente a linha SNS 24 Grávida antes de acederem às Urgências de Obstetrícia e Ginecologia do SNS. Esta medida, aplicada inicialmente como projeto-piloto na região de Lisboa e Vale do Tejo, já está a ser alargada para além da grande Lisboa.
  2. Desde a sua implementação, esta linha tem criado barreiras ao acesso imediato e seguro a cuidados de saúde materna, numa tentativa administrativa de gerir a escassez de meios, mas à custa da violação de direitos fundamentais. A medida é, desde logo, inconstitucional, por regular matéria de direitos, liberdades e garantias através de uma portaria, o que infringe o artigo 165.º, n.º 1, alínea b) da Constituição da República Portuguesa (CRP).
  3. Para além dos casos noticiados nos media, a APDMGP tem acompanhado de perto a forma como esta linha tem dificultado a experiência de gravidez e parto das mulheres, e as consequências estão à vista: Restringe o direito de acesso à saúde (artigo 64.º da CRP), interfere na liberdade de escolha do prestador (Lei de Bases da Saúde, Lei n.º 95/2019, base 2, alínea c) e compromete a autonomia pessoal e dignidade das grávidas (artigo 26.º da CRP).
  4. O caso ocorrido esta segunda-feira de manhã, no Carregado, confirma os riscos da manutenção desta linha.
  5. Segundo noticiado pelo Correio da Manhã, uma grávida de 28 anos deu à luz na rua, depois de um familiar ter contactado a linha SNS 24 para pedir uma ambulância e ter recebido como resposta que o melhor seria seguirem de carro para o hospital.
    A situação agravou-se quando a mulher ainda tentou, sem sucesso, contactar o 112. O resultado foi um parto não assistido por profissionais de saúde, em plena via pública, sendo a mulher assistida apenas pelos próprios pais.
  6. Este episódio dramático não é um caso isolado, mas sim uma consequência direta de um sistema que condiciona o acesso aos cuidados obstétricos com filtros telefónicos, desvalorizando os sinais clínicos e o tempo crítico de resposta nas situações de urgência obstétrica.
  7. Acresce que a linha SNS Grávida canaliza as utentes para hospitais designados pela central de triagem, o que acentua o já existente “efeito lotaria” na obstetrícia, agravando a descontinuidade nos cuidados, impedindo a escolha informada do local de parto e colocando em risco a saúde materna e neonatal.
  8. O contacto telefónico obrigatório apenas é dispensado em casos muito específicos, como perda de consciência, hemorragia abundante ou dores muito intensas, deixando de fora inúmeras situações urgentes que requerem intervenção médica imediata e que não podem ser avaliadas à distância.

Perante o exposto, e face aos riscos reais e já consumados da aplicação desta Portaria, a Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e Parto vem:

  • Reiterar o pedido urgente de abolição da Linha SNS Grávida como requisito para acesso às urgências obstétricas;
  • Requerer a atuação imediata das entidades com competência constitucional e legal para suscitar a inconstitucionalidade da Portaria n.º 325/2024/1 junto do Tribunal Constitucional;
  • Apelar à urgente revisão das políticas públicas de saúde materna, garantindo o acesso universal, seguro e desburocratizado aos cuidados de saúde, de acordo com a Constituição da República Portuguesa, a Lei de Bases da Saúde e os compromissos internacionais assumidos pelo Estado Português, como a CEDAW (Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres).

É inaceitável que, em pleno século XXI, mulheres estejam a parir nas ruas por falta de resposta do sistema público de saúde. A dignidade e os direitos das grávidas portuguesas não podem continuar a ser ignorados ou relativizados em nome de soluções administrativas temporárias.

Com os melhores cumprimentos,
Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e Parto

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *