Cuidados de saúde humanizados na gravidez e no pós-parto

Quando falamos de saúde na gravidez, parto e pós-parto, pensamos muitas vezes em exames, ecografias, medicação e protocolos. Tudo isto é importante. Mas a forma como estes cuidados são oferecidos — com escuta, compaixão e respeito pela individualidade de cada mulher e família — é tão determinante quanto a tecnologia disponível.

Humanizar os cuidados não significa romantizar a gravidez ou ignorar a ciência. Significa, precisamente, aplicar a melhor evidência disponível sem esquecer que, do outro lado, está uma pessoa concreta, com uma história, medos, valores e expectativas que merecem ser vistos e integrados nas decisões.

Olhar para a pessoa antes do diagnóstico

Duas grávidas com a mesma idade, o mesmo exame e a mesma complicação podem precisar de abordagens diferentes. Uma pode ter vivido um parto traumático anterior. Outra pode estar a atravessar um divórcio, ter uma doença crónica, estar longe da família ou carregar uma história de infertilidade longa e dolorosa.

Cuidar de forma humanizada implica perguntar em vez de assumir, reservar tempo para ouvir a história para além da “queixa principal”, perceber o contexto familiar, social e emocional em que aquela gravidez acontece e reconhecer experiências prévias de trauma ou luto perinatal. A mesma decisão clínica — como propor uma indução do trabalho de parto ou uma cesariana — terá um impacto completamente diferente se for enquadrada num espaço de diálogo, com validação emocional, do que se surgir como uma imposição, sem explicação nem espaço para perguntas.

Respeito pelas escolhas não é “fazer tudo o que a pessoa quer”

Respeitar a autonomia não significa dizer “sim” a todos os pedidos, nem alimentar expectativas irrealistas. Significa garantir que a informação é atual, baseada na evidência e comunicada em linguagem clara; que são apresentadas alternativas realistas, com riscos e benefícios explicados; que há espaço para a pessoa dizer o que valoriza mais e que as decisões são revistas ao longo do tempo, à medida que o quadro clínico evolui.

Na prática, respeitar as escolhas pode significar aceitar que uma grávida, informada de forma adequada, recuse um procedimento não urgente ou, pelo contrário, que peça uma intervenção que não constava do plano inicial, porque as suas circunstâncias e prioridades mudaram. O papel dos profissionais não é substituir a vontade da pessoa, mas ajudá-la a decidir de forma informada e responsável, dentro dos limites do que é clinicamente aceitável e eticamente seguro.

Responsabilidade partilhada: decisões com, e não sobre, a pessoa

A ideia de responsabilidade partilhada é central na humanização dos cuidados. Em vez de uma relação vertical — “eu sei, tu obedeces” —, propõe-se uma parceria: profissionais e utentes a trabalharem lado a lado para encontrar o melhor caminho possível.

Isso exige explicar não só o “o quê”, mas também o “porquê” de cada proposta; admitir incertezas quando elas existem, reconhecendo que há situações em que várias opções são razoáveis e em que a evidência não é definitiva; evitar prometer resultados que ninguém pode garantir; e aceitar que a pessoa precisa de tempo para decidir, sempre que a situação clínica o permite. Quando a grávida é envolvida ativamente na tomada de decisões, sente-se menos espectadora e mais protagonista. Isso reduz sentimentos de culpa, aumenta a confiança na equipa, melhora a adesão às recomendações e diminui o risco de trauma associado ao parto e ao pós-parto.

Cuidar hoje é também capacitar para o futuro

Cada contacto com o sistema de saúde é uma oportunidade de educação para a saúde. Na gravidez e no pós-parto, isto torna-se ainda mais evidente: o que é explicado, ou omitido, hoje influencia a forma como aquela pessoa vai encarar a sua saúde reprodutiva, a parentalidade e a relação com o bebé no futuro.

Cuidados humanizados, com compaixão, passam por ajudar a reconhecer sinais de alerta na mãe e no bebé sem criar alarmismo permanente, falar de saúde mental perinatal com a mesma seriedade com que se fala de tensão arterial ou glicemia, preparar para o realismo do pós-parto — sono fragmentado, aprendizagem da amamentação ou alimentação do bebé, adaptação do casal e da família —, validar dúvidas e dificuldades em vez de as desvalorizar com um “é normal, isso passa” e reforçar a ideia de que pedir ajuda é um gesto de responsabilidade, não de fracasso.

Quando se capacita a mulher e a família, está-se a contribuir para que essa pessoa se sinta mais segura para cuidar de si, do seu bebé e, muitas vezes, dos filhos que ainda virão.

Humanizar cuidados não é um luxo para quando há tempo: é um compromisso ético.

Mariana Torres, Médica Ginecologista/Obstetra

Fundadora da Clínica Matriz – Membro da APDMGP

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