Exmas. Sras. Ministras do Trabalho, Saúde e Secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade de Género; Deputados da Assembleia da República; Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE); Provedoria de Justiça; Sindicatos e Organizações da Sociedade Civil:
No contexto da reforma da legislação laboral apresentada recentemente pelo Governo, a Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e Parto (APDMGP) vem manifestar a sua preocupação e rejeição relativamente às alterações previstas no regime da dispensa por amamentação e aleitação.
Estas propostas representam um retrocesso evidente nos direitos das famílias, aprofundando desigualdades já existentes, especialmente para as mães que não amamentam, mães trabalhadoras em regime de part-time e famílias com menor proteção social.
As medidas apresentadas introduzem:
– Obrigatoriedade de apresentação de atestado médico logo no início da dispensa por amamentação, renovável a cada seis meses.
– Fixação de um prazo-limite de dois anos para o direito à dispensa, desrespeitando a recomendação da OMS de amamentação “até aos dois anos ou mais”.
– Fim da partilha da dispensa por aleitação entre os dois progenitores — ficando o direito limitado a apenas um.
– Exclusão das trabalhadoras a tempo parcial com menos de 50% de carga horária, e limitação do uso da dispensa apenas no início ou fim do turno.
– Ausência de qualquer medida de compensação ou alternativa para mães que não amamentam, por escolha, impossibilidade física ou condições médicas.
Estas alterações ignoram a diversidade da realidade parental em Portugal. A maternidade e a parentalidade não se resumem ao ato de amamentar com leite materno. As mães que alimentam os seus filhos com fórmula também perdem noites, sofrem o cansaço e intensidade que caracteriza o periodo do puerpério alargado. No entanto, ficam completamente excluídas da possibilidade de dispensa horária após o regresso ao trabalho.
As mães que amamentam prolongadamente terão agora de comprovar continuamente essa prática com atestados médicos, num processo burocrático, clínico e desnecessariamente intrusivo.
As trabalhadoras em part-time — muitas vezes mães com trabalhos precários— perdem direitos com base no número de horas que trabalham, como se o cansaço ou a necessidade de cuidar de um bebé fosse menor por isso.
As famílias monoparentais ou não convencionais são completamente desconsideradas pela retirada da possibilidade de partilha da aleitação.
Nesse sentido a APDMGP vem propôr:
– Dispensa para cuidados com os filhos para todas as mães, independentemente da forma de alimentação dos seus bebés.
– Eliminação da exigência de atestado médico.
– Reversão da limitação aos dois anos, em alinhamento com as recomendações da OMS.
– Manutenção da possibilidade de partilha entre os dois progenitores, como existia anteriormente.
– Acesso pleno à dispensa por parte dos trabalhadores a tempo parcial, sem limiares arbitrários.
A alimentação dos lactentes nos primeiros meses de vida, bem como o êxito da amamentação, frequentemente não constituem uma escolha deliberada. Estão condicionados por múltiplos fatores, tais como o quadro clínico de mãe e recém-nascido, exigências laborais, contexto familiar e a própria vontade da mulher. A imposição de restrições e obstáculos num período tão delicado e exigente como o pós-parto compromete a saúde física de mães e bebés, além de poder agravar significativamente a saúde mental das progenitoras.
Estas medidas contribuem ainda para o aprofundamento das desigualdades de género, afastando Portugal do objetivo de alcançar uma repartição equitativa das responsabilidades parentais. Trata-se de um retrocesso particularmente preocupante, tendo em conta que os níveis atuais de partilha de tarefas no cuidado dos filhos já se revelam insatisfatórios no contexto nacional.
Não aceitaremos reformas laborais que perpetuam a discriminação indireta com base na vontade da mulher, na biologia ou na situação contratual. O direito ao cuidado deve ser universal e respeitado — para todas as mães, para todos os bebés, para todas as famílias.
Apelamos a todas as forças políticas, movimentos sociais e organizações de defesa dos direitos das mulheres e da infância para que rejeitem esta proposta nos moldes atuais e construam uma legislação laboral verdadeiramente inclusiva, justa e centrada no bem-estar de quem cuida — e de quem precisa de ser cuidado.
Por uma sociedade mais inclusiva, mais justa e verdadeiramente comprometida com o cuidado.